Debates jogaram luz sobre questões fundamentais para a educação e para a produção audiovisual brasileira; nesta segunda (18), último dia de evento, tem a pré-estreia de “O desmonte do monte”, de Sinai Sganzerla, no Cine Vila Rica
O domingo (17) na CineOP teve início com a presença de um dos maiores nomes na área de educação, o espanhol Jorge Larrosa. Ele ministrou o workshop “Revelação da Escola”, que abordou o cinema e a arte como procedimentos para revelar ou trazer à presença a materialidade e a forma da escola. Segundo Adriana Fresquet, curadora da Temática Educação, a ideia central da atividade traz um conceito de Santiago Alba Rico, filósofo espanhol, para quem as coisas podem ser divididas em três tipos: coisa pra comer, que têm a ver com a fome e que são devoradas ou devoráveis; coisas para serem usadas, manuseadas, utilizadas; e coisas para serem “miradas”. “Não somente no sentido de serem olhadas, mas, sim, porque Jorge quer chegar à etimologia de ‘mirabil’, que vem de maravilha”, explica.
“Ou seja, são aquelas coisas que estão aí para serem olhadas, admiradas. Como se a gente pudesse, para determinadas coisas, orientar um tipo especial de atenção, de cuidado, de carinho. Então, tanto o cinema, quanto a escola seriam um espaço-tempo onde o professor seleciona alguns tipo de coisas para serem ‘miradas’, porque maravilham. Elas não precisam ser consumidas,, mas a partir delas é possível pensar, estudar, sensibilizar o intelecto”, filosofa.
Já na área de preservação, foram realizadas três atividades. Na primeira, “Fronteiras do Audiovisual: Malditos e Olvidados”, foram apresentados os acervos filmográficos do Museu Paranaense/RJ e da Casa Oswaldo Cruz/ Fiocruz-RJ; a pesquisa sobre a obra do professor, arquiteto e cineasta amador alemão radicado no Brasil, Herbert Duschenes, e a iniciativa que levou à realização da Mostra “Cinema Brasileiro, a vergonha de uma nação!”, na Cinemateca Brasileira, em 2004.
A discussão foi fundamentada no fato de que, ao desenvolver a ideia de patrimônio audiovisual e, consequentemente, a construção de uma identidade nacional, são feitos recortes que costumam excluir grande parte da produção de imagens em movimento. Costumam entrar nesta lista, por exemplo, produções eróticas, feitas com bitolas não profissionais ou produções com finalidades específicas, como filmes pedagógicos, de propaganda, institucionais etc. Este material, entretanto, representa um importante retrato de determinada época.
Durante o debate, Paola Prestes Penney, documentarista e doutoranda da ECA/USP (SP), ressaltou que “precisam ser repensadas as formas como são considerados os acervos de filmes amadores e as metodologias de restauro no Brasil para essas obras”. A pesquisadora destacou a necessidade de uma afinação maior entre instituições, pesquisadores, empresas e técnicos do audiovisual para entender o filme amador da mesma forma como são compreendidos documentos impressos, manuscritos e obras de arte. “É necessário considerar o contexto histórico e o valor como obra cinematográfica, historiográfica e, em alguns casos, artística, desses arquivos. Enquanto não forem percebidos dessa forma, os filmes amadores continuarão malditos e esquecidos, não no sentido desafiador que o nome dessa mesa propõe, mas por falta de escolha”.
Já “Fronteiras Políticas e Regionais: Arquivos Fora do Eixo”, que se debruçou sobre as demandas e necessidades de cada região brasileira, considerando todas as suas dimensões culturais e geográficas, buscou apresentar os acervos, histórias, dificuldades e estratégias para a construção de uma política nacional.
Exemplo disso é o trabalho apresentado por Betty Lacerda, coordenadora geral do Centro de Documentação e de Estudos da História Brasileira (Cehibra), da Fundação Joaquim Nabuco (PE), que trouxe o resultado de um levantamento realizado nos últimos dois meses sobre cinematecas e acervos de diversas partes do país - Ceará, Tocantins, Maranhão, Pernambuco, Rondônia e Rio Grande do Norte. Lacerda apontou também os desafios comuns dessas entidades e das instituições presentes na discussão – Cinemateca Catarinense, Arquivo Público do Distrito Federal e da Cinemateca de Curitiba. “Como fazer projetos de preservação que incluam telecinagem e digitalização; a problemática questão das equipes distribuídas, pois os profissionais estão se aposentando e não há novos concursos. A preservação é grande desafio para todos nós”.
O terceiro encontro, “O modelo de gestão via organizações sociais (OS)”, discutiu a eficácia deste modelo de gestão, principalmente quando aplicado a instituição culturais. Laura Bezerra, professora adjunta do Centro de Cultura, Linguagens e Tecnologias Aplicadas da UFRB/BA e membro da ABPA/BA, destaca que esta não pode ser considerado uma solução definitiva para as entidades de acervo e preservação no Brasil. “Tenho dúvida se esse modelo de gestão é adequado para instituições brasileiras que têm perfis tão diferentes. É um modelo possível, com vantagens e desvantagens, mas que precisa ser analisado dentro de um contexto muito concreto. Existem exemplos muito positivos e exemplos muito negativos na nossa realidade que precisam ser observados”.
O evento também trouxe, é claro, muitas sessões de cinema. Ganharam as telas os filmes da Mostrinha, dedicada a toda a família, e curtas e médias das mostras Histórica e Contemporânea. Outras preciosidades foram exibidas no dia de hoje. Na área de preservação, a atração foi “O Atalante”, longa-metragem dirigido por Jean Vigo, que morreu em 1934, sem concluir seu projeto mais ambicioso. A sessão especial foi apresentada pela francesa Céline Ruivo, curadora da Cinemateca Francesa e coordenadora da Comissão Técnica da FIAF, que participou do processo de restauração da obra.
Na temática Histórica, foi exibido “Caveira My Friend”, em uma rara cópia de 35 mm. A produção baiana, realizada em 1970, foi alvo da censura exercida pela ditatura militar na época em que foi lançada. Já a mostra Contemporânea trouxe “Fevereiros”, documentário dirigido por Marcio Debellian. O filme, que acompanhou a construção do desfile da Mangueira em 2016, em que se sagrou campeã, com uma homenagem a Maria Bethânia, lotou o Cine Praça, um dos três locais de exibição do evento.
Além de palco para o lançamento de livros, a CineOP abriu espaço para a estreia do Brasil na Copa do Mundo da Rússia, que terminou com o empate entre a seleção e a Suíça. O aquecimento da torcida começou às 12 horas, no Sesc Cine Lounge Show, com o Dj Braz Mitchell. Teve também uma inusitada partida do PPFC – Perna de Pau Futebol Clube.
DESPEDIDA DA 13a CINEOP
Nesta segunda-feira, último dia da Mostra de Cinema de Ouro Preto em 2018, o Encontro de Arquivos agendado para as 9h30, no auditório I, reúne os dois “cases” de preservação desta edição: de um lado, os convidados Alexandre Rocha (sócio-fundador da Afinal Filmes, RJ), Orlando Bomfim, netto (cineasta, ES) e Vitor Graize (produtor e diretor da Pique-Bandeira Filmes, ES) discutem o Acervo Capixaba, composto de documentários de Bomfim, netto feitos nos anos 1970 e exibidos no sábado no Cine Vila Rica; do outro, a francesa Céline Ruivo, da Cinemateca Francesa, apresenta detalhes da recuperação de “O Atalante” (1934), filme inacabado de Jean Vigo. A mediação é de Ines Aisengart Menezes, curadora da Temática Preservação.
Às 11h15, no mesmo local, os arquivos seguem em debate na conversa “Fronteiras entre Indústria, Mercado e Arquivos: Tecnologias”. Na mesa, Erick Soares (engenheiro, Sony), Roberto Carminatti (CTO Piql Américas) e Rita Marques (Garimpo – Gerenciamento de Conteúdo e Curadoria Digital) discutem como empresas prestadoras de serviços e fornecedoras de materiais podem auxiliar os arquivos audiovisuais e como demandas e necessidades devem ser trocadas para um melhor entendimento entre os diferentes agentes do setor. A mediação é de Rodrigo Mercês (Cinemateca Brasileira).
À tarde, às 15h, mais um debate da Preservação encerra os bate-papos do Encontro de Arquivos: “Fronteiras entre Indústria, Mercado e Arquivos: Conteúdo, Fomento e Regulação”, Angélica Coutinho, superintendente de Desenvolvimento Econômico da Ancine (RJ), André Saddy (Canal Brasil), João Batista da Silva, secretário do Audiovisual (DF) e Marco Altberg (Conselho Federal do Brasil Audiovisual Independente). A pauta será a constituição de um mercado para filmes de patrimônio que permita processos mais respeitosos de constituição de arquivos no país.
Na Temática Educação, as atividades começam às 9h30, na terceira sessão com projetos audiovisuais educativos comunitários selecionados com foco no diálogo “Escolas: Memórias do Futuro” – no total, cinco projetos serão comentados. Às 12h, no Cine-Teatro, tem a mostra de curtas produzidos por educadores, estudantes e cineastas no contexto escolar e em espaços não-formais de ensino.
Por fim, às 14h45, no auditório II, o encontro “Um Plano, uma Aula” reúne o cineasta brasileiro Cristiano Burlan e o professor e filósofo espanhol Jorge Larrosa para discorrerem sobre a noção de “plano” no âmbito do cinema e do ensino: plano de aula como roteiro-guia do docente, que o liberta para formar o quadro, a imagem, o imprevisto, a síntese de seu olhar preparado, atento e sensível ao mundo; e o plano de cinema como a unidade menor de sentido num filme, levando-o, no conjunto, a toda a sua potência.
NOS CINEMAS
As últimas sessões de filmes da 13a CineOP têm início às 18h, com a Mostra Contemporânea no Cine Vila Rica exibindo dois títulos: “Pé de Veludo – Deus e o Diabo na Ponte do Pé”, de Marcelo Colaiacovo e Nilson Primitivo; e “Sem título #4: Apesar dos pesares, na chuva há de cantares”, de Carlos Adriano. Já no Cine-Praça, às 19h, o documentário “Vida”, de Paula Gaitán, mostra a faceta íntima de Maria Gladys, atriz homenageada pela mostra este ano.
A sessão de encerramento da CineOP começa às 20h30, com a pré-estreia nacional de “O Desmonte do Monte”, longa-metragem dirigido por Sinai Sganzerla que trata da especulação urbana no Morro do Castelo (Rio de Janeiro).
A programação chega ao fim a partir das 23h, no Sesc Cine Lounge Show, com a Noite Tropicália 5. No palco, as atrações são o DJ Braz Mitchell, a banda Sagrada Profana e o grupo cancioneiro Candoguêro.