No sábado, primeiro dia de debates, curadores revelaram detalhes da escolha dos filmes inscritos nesta edição; no domingo, destaque para o início da Mostra Olhos Livres, com o longa “Tragam-me a cabeça de Carmen M.”
O primeiro dia de debates da 22a Mostra de Cinema de Tiradentes se fixou nas discussões em torno da temática central deste ano, “Corpos Adiante”, e na homenagem à atriz e dramaturga Grace Passô. O trabalho de Grace foi discutido em dois encontros no Cine-Teatro Sesi, primeiro sobre sua trajetória e as características de seu trabalho no teatro e no cinema; depois em torno de “Vaga Carne”, sua estreia como diretora de cinema (em parceria com Ricardo Alves Jr.).
As falas intercalaram o rigor do olhar dedicado à criadora Grace e a admiração ao que ela faz desde 2000, quando estreou nos palcos; e a descontração proporcionada pela própria pessoa Grace, irreverente e profunda em cada palavra que entoa. Na mesa “Presença de Grace Passô”, a pesquisadora Natália Batista relembrou entrevista feita com a atriz em 2007, quando ela ainda se iniciava como dramaturga do Grupo Espanca!. Natália comparou essa conversa com as falas mais recentes de Grace, apontando a coerência de pensamento. “Parece tudo pensado para saber o valor desse corpo dela que está em cena”, disse Natália. “Fiquei impressionada de como muita coisa que ela apontava na época foi se desenvolvendo até aqui”.
Para Grace, essa coesão de pensamento e atitude na arte veio naturalmente ao longo de sua trajetória, mas começou a partir de premissas que hoje ela questiona. “Quando comecei, eu queria escrever teatro e me preocupava em construir textos para serem publicados. Isso só ficou no desejo, porque o caminho desses textos foi exatamente o contrário”, relembrou. Ao fundar o Grupo Espanca! (2004), e a partir da apresentação da primeira peça de sua autoria, “Por Elise” (2005), Grace passou a caminhar através do palco, em sucessivos trabalhos de grande repercussão que reconfiguraram sua própria visão.
VAGA CARNE
Ao falar sobre “Vaga Carne”, Grace relembrou a amizade de anos com Ricardo Alves Jr. e a vontade de criarem, juntos, os diálogos possíveis entre cinema e teatro. A primeira experiência de ambos foi com a peça “Sarabanda” (2014), adaptada do último filme do sueco Ingmar Bergman. Se, neste caso, um filme virava uma peça, em “Vaga Carne” uma peça (e o texto de uma peça) virou filme – e nas duas criações, o que se vê são obras distintas, com singularidades que as mantêm ao mesmo tempo próximas e distantes.
“O Daniel Veronese (diretor argentino) diz que não existe realismo no teatro e que o tema de toda peça, em primeiro lugar, é sobre a presença, a relação, algo que estará sempre acima da ficção. O cinema é diferente: nele existem códigos já estabelecidos que nos colocam em determinados lugares”, comparou ela. “O teatro é uma arena, você está lá com o ator, com a atriz. O cinema depende de um maquinário, de algumas tecnologias, que servem para te colocar ali dentro”.
No caso de “Vaga Carne”, que abriu a Mostra de Cinema de Tiradentes, na noite de sexta-feira, um dos estímulos de Grace e Ricardo Alves Jr. era dar projeção à voz daquele corpo em cena, algo essencial na peça e que naturalmente sofreria um tipo de transfiguração para a tela. Grace disse que os oito minutos de tela preta que abrem o filme e os closes nos rostos de espectadores da performance foram tentativas de dar autonomia àquela voz. Ricardo completou que o trabalho sonoro, de forte intensidade, também teve esse objetivo.
PERFORMANCE INÉDITA
Outro destaque da noite de sábado foi a performance inédita “Grão da Imagem”, apresentada por Grace Passô, com a transformação do Sesc Cine-Lounge em palco de um jogo proposto pela homenageada. No lugar da imagem e ação, a atriz ofereceu à tenda lotada palavras e música, desafiando os presentes a identificar uma série de filmes por meio de uma única cena descrita pela inconfundível cadência e tom grave de sua voz. “Forrest Gump”, “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, “Império dos Sentidos” e “O Iluminado” foram alguns dos clássicos citados pela homenageada desta edição da Mostra de Tiradentes, que eram em seguida transformados em música pela remixagem do músico Barulhista. Simples e divertida, efêmera e desafiadora, a performance foi mais uma prova da capacidade de Grace de ocupar e dominar um espaço, mesmo sentada e usando os pouquíssimos recursos ao seu dispor.
CORPOS
Na mesa “Perspectivas da curadoria”, a equipe curatorial da Mostra se reuniu para comentar alguns caminhos de escolha dos filmes este ano, muito influenciada pela temática proposta. “O Cleber Eduardo (coordenador curatorial) apresentou a temática antes da seleção, o que foi se manifestando junto com os filmes inscritos”, disse Victor Guimarães, que trabalhou com Lila Foster na escolha dos longas-metragens.
Ele indicou alguns títulos que se relacionam mais fortemente com a ideia de “Corpos Adiante” e que estão na programação, casos de “Inferninho”, de Guto Parente e Pedro Diógenes, e “Temporada”, de André Novais Oliveira – filmes que, para ele, mostram a formação de comunidades em situações inusitadas.
Uma das curadoras de curta-metragem, Camila Vieira também apontou no formato essa inquietação com os acontecimentos mais recentes no Brasil e a maneira como grupos sociais reagem ao contexto: “O uso do artifício na criação de universos fora do tempo e do espaço em alguns filmes criam universos distópicos sem se deixarem paralisar. Eles mostram a vontade grande de as pessoas estarem junto diante das adversidades e dos impasses do presente”.
Também curadora de curtas, Tatiana Carvalho Costa apresentou informações sobre o perfil dos inscritos e selecionados para a Mostra deste ano. “Dos 806 inscritos em curtas-metragens, 181 tinham pessoas negras na direção, sendo 63 mulheres negras”, revelou. Tatiana fez o levantamento a partir de dados inseridos durante o processo de inscrição para a Mostra. “Ainda é um número baixo, mas já demonstra a heterogeneidade nos processos de produção. Nossa expectativa é que esses números se ampliem a cada ano”, disse.
PROGRAMAÇÃO DE DOMINGO
A Mostra segue neste domingo. Um dos destaques da programação será a abertura da Mostra Olhos Livres, com a pré-estreia mundial do longa “Tragam-me a Cabeça de Carmen M.”, de Catarina Wallenstein e Felipe Bragança, às 20h, no Cine-Tenda. Juntamente com mais cinco produções, o filme concorre ao Troféu Barroco, concedido pelo Júri Jovem desta edição. Logo em seguida, às 22h, o mesmo local recebe a pré-estreia nacional do aclamado “Inferninho”, produção dos diretores cearenses Guto Parente e Pedro Diógenes, como parte da Mostra Corpos Adiante.
Já a cineasta Ana Rieper (“Vou Rifar meu Coração”) leva a história da cantora Clementina de Jesus ao Cine-Praça, no documentário “Clementina”, a partir das 21h. A sessão será seguida de bate-papo com a diretora, mediado pela curadora Lila Foster.
A programação de filmes do domingo ainda dá destaque especial para o cinema mineiro. A produção do interior do Estado invade o Cine-Tenda às 16h, na Mostra Cena Regional. Logo depois, às 18h, rola a segunda série de curtas da Foco Minas – entre eles, “Russa”, codirigido por Ricardo Alves Jr. (“Vaga Carne”) e pelo português João Salaviza, indicado ao Urso de Ouro no Festival de Berlim em 2018.
LITERATURA AUDIOVISUAL
O cinema também ganha as páginas da literatura na 22ª Mostra de Tiradentes. A partir das 11h30, o Cine-Teatro Sesi recebe o lançamento de seis livros, com presença dos autores e sessão de autógrafos. São eles o já clássico “O Autor no Cinema”, de Jean-Claude Bernadet, que ganha uma atualização em parceria com Francis Vogner dos Reis; e “Cinema Brasileiro nos Jornais: Uma Análise da Crítica Cinematográfica da Retomada”, em que o jornalista recifense Luiz Joaquim avalia a reflexão publicada sobre a produção nacional entre 1994 e 2002; “Diversidade na animação brasileira”, organizado por Sávio Leite; e “O crime como gênero na ficção audiovisual da América Latina”, de Luiza Lusvarghi.
Também serão lançados “Imagens em disputa: Cinema, vídeo, fotografia e monumento em tempos de ditaduras”, Andréa França, Patrícia Machado e Tatiana Siciliano; e “Jorge Sankinés e Grupo Ukamau – Teoria e prática de um cinema junto ao povo”, de Jorge Sanjinés (trad. Sávio Leite e Lourenço Veloso).
CORPOS EM DEBATE
O pensamento cinematográfico ganha vida ainda nos debates do domingo. Às 10h30, a homenageada Grace Passô encerra sua participação no evento, com o debate sobre o longa “Temporada”, no Cine-Teatro Sesi. A série “Encontro com os Filmes” continua logo na sequência, com o seminário sobre “Ilha”, às 11h45. Os dois filmes fizeram parte da programação na noite de sábado, no Cine-Tenda. Às 21h15, no Sesc Cine-Lounge, a curadora Tatiana Carvalho Costa bate um papo imperdível com a professora Duda Salabert e a cineasta Galba Gogóia (de “Jéssika”) sobre a presença trans, feminina e negra nas artes. Com o tema “Corpos Políticos”, a roda de conversa faz parte da série Encontro de Cinema.
PARA TODA A FAMÍLIA
A primeira atração para a garotada está marcada para 11h, com o atual sucesso de bilheteria “D.P.A. 2 – O Mistério Italiano”, no Cine-Tenda, como parte da programação da Mostrinha. Já quem gosta de teatro não pode perder o espetáculo “Memórias de um Quintal”, que rola a partir das 16h no Cine-Praça. Livre adaptação do romance “O Matador”, do belo-horizontino Wander Piroli, a peça da Insensata Cia. de Teatro parte da história de um garoto que sonha em matar um pardal, para fazer uma reflexão sobre os finais felizes da ficção infantojuvenil e a infância dos próprios atores e diretores.
NO RITMO DO PARÁ
A programação artística, realizada em parceria com o Sesc em Minas, vai deixar o público do Sesc Cine-Lounge se remexendo ao som do tecnobrega na noite do domingo. Um dos momentos mais aguardados do dia é o show do cantor paraense Jaloo, que começa às 0h30. Grande revelação da atual cena queer da música brasileira, o músico promete seduzir Tiradentes com seu charme andrógino, traduzido nas batidas, letras e melodias de seu repertório.
Serviço
22ª MOSTRA DE CINEMA DE TIRADENTES | 18 a 26 de janeiro de 2019
LEI FEDERAL DE INCENTIVO À CULTURA
LEI ESTADUAL DE INCENTIVO À CULTURA
Patrocínio: TAESA, KINEA/Itaú, CSN, CBMM, CEMIG, COPASA|GOVERNO DE MINAS GERAIS
Parceria Cultural: SESC em Minas
Fomento: CODEMGE|GOVERNO DE MINAS GERAIS
Apoio: ACADEMIA INTERNACIONAL DE CINEMA, SESI FIEMG, OI, INSTITUTO UNIVERSO CULTURAL, TRES, WALS CERVEJA ARTE, MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, SENAC, CINEMA DO BRASIL, DOT, MISTIKA, CTAV, NAYMAR, CINECOLOR, GLOBO MINAS, CANAL BRASIL, EMBAIXADA DA FRANÇA, ETC FILMES, NOVA ERA SILICON, POLÍCIA MILITAR, PREFEITURA DE TIRADENTE E CENTRO CULTURAL AIMORÉS.
Incentivo: SECRETARIA DE ESTADO DE CULTURA| MINAS GERAIS
Idealização e realização: UNIVERSO PRODUÇÃO
MINISTÉRIO DA CIDADANIA | GOVERNO FEDERAL
LOCAIS DE REALIZAÇÃO DO EVENTO
Centro Cultural Sesiminas Yves Alves
Largo das Fôrras
Largo da Rodoviária
Escola Estadual Basílio da Gama