De 13 a 18 de junho, a Mostra de Cinema de Ouro Preto presta homenagem à atriz Maria Gladys, exibe 134 filmes em pré-estreias e mostras temáticas, promove o Encontro Nacional de Arquivos e o Encontro da Educação, recebe cinco convidados internacionais e resgata filmes raros da contracultura nacional em diálogo com outras formas de criação artística

Evento único no calendário cinematográfico brasileiro, a CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto chega a sua 13ª edição de 13 a 18 de junho reafirmando o seu propósito de ser espaço privilegiado de discussão sobre a produção audiovisual brasileira a partir de seus aspectos históricos e estéticos e as formas como o passado influi no presente e aponta caminhos para o futuro. Ouro Preto, cidade que comemora em 2018, 80 anos de tombamento como Patrimônio Mundial da Humanidade, vai ser palco de encontros, discussões, debates e oficinas, reunindo profissionais do audiovisual, pesquisadores, críticos, acadêmicos, preservadores, jornalistas, representantes de entidades de classe e o público em geral.

A CineOP estrutura sua programação  em três temáticas: Preservação, História e Educação - cada qual com um enfoque e discussões próprias que se aproximam em mesas e atividades propostas.  As atividades ocupam três espaços ouropretanos da cidade: o Cine Vila Rica, a Praça Tiradentes e Centro de Artes e Convenções que recebem  instalações de três cinemas. Nesta edição, serão exibidos 134 filmes (18 longas, 5 médias e 111 curtas-metragens), vindos de 12 estados brasileiros (BA, CE, ES, GO, MG, RJ, SP, PB, PE, PR, RS, SC) e 3 países (EUA, Espanha e França), distribuídos nas mostras Contemporânea, Preservação, Histórica, Educação, Mostrinha e Cine-Escola. Em sua 13a edição, o  Encontro Nacional de Arquivos e Acervos Audiovisuais Brasileiros e Encontro da Educação: X Fórum da Rede Kino promovem uma série de debates com a participação de profissionais que são referência no cenário brasileiro e internacional no setor da preservação e da educação. A programação será oferecida gratuitamente ao público.  

 “A CineOP representa uma iniciativa pioneira no circuito de festivais e mostras de cinema a agregar valor de patrimônio à sétima arte e contribuir com um olhar para a história a partir do contemporâneo, em diálogo com a educação e em intercâmbio com o mundo”, afirma a coordenadora do evento e diretora da Universo Produção, Raquel Hallak. 

ABERTURA E HOMENAGEM À ATRIZ MARIA GLADYS

A abertura da 13a CineOP será na noite de 14 de junho (quinta-feira), no Cine Vila Rica, a partir das 20h30, com a homenagem e entrega do Troféu Vila Rica à atriz Maria Gladys. Em tributo a ela, que estará presente no evento, serão exibidos o curta-metragem Maria Gladys, uma Atriz Brasileira (Norma Bengell, 1980) e o longa Sem Essa, Aranha (Rogério Sganzerla, 1970). O primeiro, com apenas uma cópia de 35mm em acervo, foi digitalizado pela organização do evento especialmente para essa exibição em DCP. Figura ícone do cinema brasileiro desde os anos 1970, Gladys vai participar do festival e relembrar sua prolífica trajetória, que marcou a produção do país pela versatilidade e carisma. Além dos dois filmes na abertura, a homenagem a Maria Gladys inclui, ao longo da programação, as exibições dos filmes  Vida, de (Paula Gaitán, 2008 e a  pré-estreia de Quebranto, de José Sette, 2017 e uma roda de conversa com a atriz na qual ela vai comentar e refletir sobre seu percurso profissional ao lado do cineasta Neville d’Almeida, que dirigiu Gladys em diversos filmes, como Rio Babilônia (1982) e Matou a família e foi ao cinema (1991).

Maria Gladys é umas das atrizes mais originais do cinema brasileiro. Seja nos filmes do Cinema Novo, no experimental ou no cinema de apelo Popular, a figura dela sempre se destaca pela presença e personalidade. Com carreira também no teatro e na televisão, ela é pura intensidade. Gladys representa o que o cinema moderno e a contracultura brasileira têm de mais autêntico.

Ao longo dos anos, trabalhou com Julio Bressane (O Anjo Nasceu, 1969; Cuidado Madame, 1970), Rogério Sganzerla (Sem Essa, Aranha, 1970) e Neville D’Almeida (Piranhas no Asfalto, 1971). Posteriormente, Gladys sempre foi se ajeitando dentro de cada contexto de produção, emplacando grandes personagens em filmes tão distintos quanto Anchieta, José do Brasil (Paulo César Saraceni, 1977), Bar Esperança (Hugo Carvana, 1983), Brás Cubas (Julio Bressane, 1985), Um Filme 100% Brasileiro (José Sette, 1985), Se Eu Fosse Você (Daniel Filho, 2006) e Febre do Rato (Cláudio Assis, 2012).

TEMÁTICA HISTÓRICA | “ VANGUARDA TROPICAL: CINEMA E OUTRAS ARTES”

O eixo central da Temática Histórica será a  “Vanguarda tropical: cinema e outras artes”. A programação vai apresentar e discutir um rico movimento da cultura cinematográfica brasileira, que se desenvolveu em um momento obscuro da vida política e social do país – o regime militar e a implantação do Ato Institucional Número Cinco (AI-5) em 1968. Neste contexto que se insere a homenagem à atriz Maria Gladys, cuja imagem e presença foi destaque do Cinema Novo e cinema marginal nos anos 1960 e 1970.

Com curadoria de Lila Foster e Francis Vogner dos Reis, a proposta surgiu a partir de um conjunto de filmes e de cineastas que trabalharam no entrecruzamento das formas, numa perspectiva estética muito marcada pelo experimentalismo e por produções que não se restringiram, na sua circulação, ao campo do cinema. Com enfoque nos anos 1960 e 70, o recorte retrata as reações da classe artística independente brasileira ao recrudescimento do regime militar a partir de 1968

No contexto da época, entre os anos 1960 e 1980, músicos, artistas plásticos e escritores se aventuraram na criação de imagens e sons de maneiras singulares e completamente fora dos padrões e do mercado audiovisual. Sem compromissos comerciais e com o sentimento maior de extrapolação expressiva, nomes como Jorge Mautner, Hélio Oiticica, Sérgio Ricardo, Torquato Neto e tantos mais pegaram em câmeras e fizeram filmes até hoje únicos e surpreendentes. “Eram trabalhos que serviam de resistência ao regime militar e como proposição de novas corporalidades na tela. Eles reagem ao cenário político pela proposição de novas corporalidades e nas relações do espectador com a imagem em movimento”, explica Lila. “São filmes performáticos, dissonantes e de intensa provocação”.

Integram os filmes da Mostra Histórica da 13ª CineOP, alguns dos mais representativos nomes da contracultura local, que transitaram a partir de suas áreas de maior atuação (artes plásticas, fotografia, música e teatro) rumo ao cinema como propulsor de questões políticas e estéticas. Vários dos filmes vêm de arquivos pessoais, tendo raras exibições públicas desde suas produções. Entre eles, estão A Fila (Katia Maciel), À Meia-noite com Glauber (Ivan Cardoso), Alma no Olho (Zózimo Bulbul), Light Works (Iole de Freitas), X (Ana Maria Maiolino), Terror da Vermelha (Torquato Neto) e O Demiurgo (Jorge Mautner).

O curador Francis Vogner lembra que o ano de 2018 marca cinco décadas do lançamento de Tropicália, o disco que reuniu os músicos Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Nara Leão, Os Mutantes e Tom Zé aos poetas Capinam e Torquato Neto e ao maestro Rogério Duprat. “É uma data paradigmática para a radicalidade na arte brasileira, com forte intervenção em seu próprio tempo histórico e proposições formais até então inéditas”. O tropicalismo torna-se a grande referência artística brasileira, e o cinema o acompanha com a presença maciça de criadores de várias áreas e de nomes que se legitimaram através do próprio audiovisual, como Rogério Sganzerla e Julio Bressane.

A ideia de Vanguarda Tropical na proposição da Temática Histórica na CineOP aparece ainda na retomada do antropofagismo do escritor Oswald Andrade (1890-1954), ícone do modernismo dos anos 1920 que se torna a grande referência de toda a geração tropicalista. “Com a participação de concretistas e neoconcretistas, de pintores e de escritores, entre outros, o cinema se torna o espaço de trânsito entre todas as artes que eram produzidas no período”, diz Francis.

A vanguarda tropical ainda se faz presente no Seminário, na mesa “Fronteiras do Experimental: História, cinema e outras artes”. O encontro terá a presença de Guiomar Ramos (professora e pesquisadora), Tiago Mata Machado (cineasta), Kátia Maciel (artista e pesquisadora), sob mediação de Francis Vogner. O bate-papo vai se fixar nas questões: como organizar uma história do experimental brasileiro? Quais são seus critérios? Qual foi (e é) o horizonte da radicalidade inventiva no Brasil?

TEMÁTICA EDUCAÇÃO | “ESCOLAS: MEMÓRIAS DO FUTURO”

A escola pública estará no centro das atenções da Temática Educação que vai colocar em evidência o conceito e a noção de “memória do futuro”, a importância da escola como algo que conserva, cuida e produz memória a cada segundo, num presente ativo, ao mesmo tempo antecipando o futuro, imaginando-o, sonhando o mundo que quer habitar como gesto de invenção. “Acreditamos que a escola, como nenhum outro espaço/tempo, tem poderosa capacidade de guardar a história no ato de atualizar nosso tempo rumo a um presente comprometido com a atenção, o amor e o cuidado ao outro”, ressalta Adriana Fresquet que assina a curadoria desta temática com o assistente Geraldo Pereira.

O tema “Escola: Memória do Futuro” irá notear os debates do Encontro da Educação: X Fórum da Rede Kino (Rede Latino-Americana de Educação, Cinema e Audiovisual), que reúne, a cada edição da CineOP, dezenas de profissionais da educação. Na 13a mostra, a Rede KINO decidiu exaltar o ambiente escolar público. Em meio a insistentes desqualificações políticas e sociais da escola, especialmente nos últimos anos, com o endurecimento de políticas conservadores e neoliberais no Brasil, a curadoria quer dedicar espaço e tempo para pensar, valorizar e identificar a escola pública no que ela tem de mais fundamental.

Uma série de “cases” e programas bem-sucedidos de utilização do cinema como instrumento de ensino e aprendizado – especialmente na construção de uma grande memória audiovisual e de valorização cultural serão apresentados no decorrer da programação. Um dos destaques é a mesa “Cinema e Educação: A Escola no Cinema”, reunindo representantes do Programa Cineduca, iniciativa do Uruguai que será dissecada pelas convidadas internacionais Cecilia Etcheverry e Cecilia Cirillo, respectivamente coordenadora pedagógica e coordenadora técnica do projeto. Outra presença estrangeira aguardada é a do professor espanhol Jorge Larossa, autor de contundentes reflexões sobre a escola enquanto espaço de afetos e que participará de mesas e de um workshop.

Além disso, 15 projetos inscritos foram selecionados tepresentando sete estados brasileiros (Goiás, Minas Gerais, Paraíba, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo). Os projetos serão apresentados em três sessões na programação do Encontro da Educação: X Fórum da Rede Kino.

Uma novidade em 2018 é que os filmes selecionados que integram a Mostra Educação incluem agora trabalhos audiovisuais de estudantes, professores e cineastas, ampliando a relação dos participantes com uma cadeia de produção que se inicia nos estímulos da sala de aula. Ao todo, 69 curtas produzidos em contexto escolar foram selecionados para compor a Mostra, que inclui ainda dois médias – Teoria da Escola, de Maximiliano Valerio López, e Elogio da Escola, de alunos e professores da Escola de Bordils | Associação A Bao A Qu; e um longa, Abecedário de Educação – Jorge Larossa, de Adriana Fresquet.

TEMÁTICA PRESERVAÇÃO | “FRONTEIRAS DO PATRIMÔNIO AUDIOVISUAL”

O conceito de “fronteira”, a partir de sua aplicação no universo das imagens em movimento e das questões urgentes e atuais do setor da preservação, foi definido pelos curadores José Quental e Ines Aisengart Menezes como o eixo da Temática Preservação em 2018: “Fronteiras do Patrimônio Audiovisual”. Os intercâmbios entre a indústria, mercado e arquivos, a formação, o uso das tecnologias, o conteúdo, fomento e regulação são a base de conversas que propõem ampliar o diálogo internacional do Brasil com instituições de guarda e manutenção de acervos.

A CineOP  vai contar com a presença de profissionais de destaque na cena contemporânea da preservação, visando gerar intercâmbio, troca de experiências, debates e apresentações de projetos de restauro. Uma das presenças deste ano é o multiartista norte-americano Bill Morrison, que vai exibir o longa-metragem Dawson City – Tempo Congelado (2016).

Alguns outros convidados estrangeiros da Temática Preservação participam de pontos-chave da programação da CineOP, na mesa “Fronteiras do Patrimônio Audiovisual: Formação, produção e preservação no âmbito universitário”, com a colombiana Juana Suárez, integrante do APEX (Archival Exchange Program), e a francesa Céline Ruivo, coordenadora da Comissão Técnica da Fédération Internationale des Archives du Film ( FIAF) e curadora na Cinemateca Francesa.

Do Brasil, o “case” de restauração em 2018 é a obra do capixaba Orlando Bomfim, netto, primeiro cineasta a registrar sistematicamente o cotidiano cultural do Espírito Santo, a partir da década de 1970, em documentários que se tornaram peças importantes do patrimônio histórico e da cinematografia do estado. Os sete filmes em curta-metragem foram digitalizados a partir de matrizes em 35mm e 16mm depositadas no Arquivo Nacional e também em posse do cineasta.

FILMES | MOSTRA CONTEMPORÂNEA

O público vai poder conferir também a recente produção de curtas, médias e longas-metragens realizados entre 2017 e 2018 que dialogam diretamente com as questões da Mostra Histórica. São  filmes recentes que se assumem herdeiros do experimentalismo e da vanguarda brasileira. “São títulos que recusam princípios dramatúrgicos fechados para se fixarem em formalismos mais radicais”, destaca Francis Vogner. Tanto nos longas quanto curtas e médias, tais características aparecem com força. Entre os filmes, estão A Poeira não Quer Sair do Esqueleto, de Daniel Santiso e Max William Morais; Andále!, de Petter Baiestorf; Landscape, de Luiz Rosemberg Filho; sem título #4: apesar dos pesares, na chuva há de cantares, de Carlos Adriano; e O Desmonte do Monte, de Sinai Sganzerla. Mesmo nos filmes de viés mais popular, como Fevereiros, de Marcio Debellian, o diálogo com a contracultura permanece, ao tratar de Maria Bethânia, figura central do tropicalismo.