Evento reuniu, durante seis dias, profissionais do audiovisual e espectadores numa intensa e gratuita programação que incluiu homenagem, sessões de cinema, rodas de conversa, oficinas, debates, encontros e atrações artísticas. O 9o Brasil CineMundi conquistou novas parceiras e cooperação internacional e fez a conexão de profissionais e projetos do cinema brasileiro com o mercado audiovisual

Ao longo de 75 filmes, 44 sessões e diversos debates e encontros, a 12a CineBH – Mostra de Cinema de Belo Horizonte seguiu na consolidação de um evento de importância internacional, que convida os participantes a pensarem a influência do passado, os filmes do presente e o audiovisual do futuro. Ocupando seis espaços da capital mineira (Fundação Clóvis Salgado/Palácio das Artes, Sesc Palladium, Cine Theatro Brasil Vallourec, Teatro Sesiminas, MIS Cine Santa Tereza e Praça Duque de Caxias), a CineBH firmou sua relevância nos caminhos da produção e da exibição ao propor as "Pontes Latino-Americanas" como a temática central em 2018. Num período marcado por conflitos e dificuldades de entendimento entre nações – com "brexit" na Inglaterra, expulsão de venezuelanos nas fronteiras brasileiras e intolerância xenófoba mundo afora –, é de fundamental importância que se celebre e se estimule o diálogo de um país com outro.

 

A relação do Brasil com a América Latina foi o mote de várias discussões e exibições ao longo da 12a CineBH, realinhando posições poucas vezes muito claras nas interações do continente. Em certo momento de "La Flor", longa-metragem argentino de Mariano Llinás exibido no evento, um europeu aprisionado por um quarteto de espiãs se questiona onde está preso. Depois de enumerar uma série de lugares que ele acredita não ser a resposta que busca, o homem olha para o céu noturno, vê algumas constelações e conclui: "Estou no hemisfério sul. É isso: estou no hemisfério sul". E se emociona. Um dos trechos mais poéticos da mostra, dentro de um filme de 14 horas, pareceu resumir, em muito, as dúvidas sobre o que, afinal, caracteriza a América do Sul como espaço singular de possibilidades de criação.

 

"A modernidade não foi uma invenção latino-americana, mas uma exportação intelectual da Europa. Isso não significa que não podemos ser modernos, e sim nos coloca a questão de como nos apropriar da forma moderna na América Latina", disse o crítico argentino Roger Koza, em sua participação nos Diálogos Históricos. A ideia de Koza é que, para se apropriar dessa "invenção europeia" que foi a arte moderna, os latinos precisam, antes de tudo, reconhecer-se como continente defasado por décadas de exploração e espoliação por parte dos países colonizadores. O professor e pesquisador João Luiz Vieira, ao relacionar as chanchadas brasileiras dos anos 1940 e 50 aos melodramas mexicanos da mesma época – em especial na presença de atrizes em trânsito entre os países, no que ele chamou de "translatinidade" –, que criaram uma distância grande entre o Brasil e os demais países vizinhos. "Nós falamos português, o resto dos latinos fala espanhol. Isso já é um grande obstáculo", afirmou. "Alguns filmes tentaram quebrar essa barreira na presença de elencos de fora do país ou através do uso da paródia".

 

HOMENAGEM

O hiato ainda presente na relação do Brasil com os colegas latinos foi um dos motivos de a CineBH homenagear a produtora argentina El Pampero Cine, fundada em 2002 por Mariano Llinás, Laura Citarella, Agustín Mendilaharzu e Alejo Moguilansky. Uma das iniciativas mais ousadas e singulares na produção audiovisual da América Latina, o coletivo tem se destacado em festivais internacionais por filmes arrojados e esteticamente provocadores, caso dos dois exibidos na CineBH ("La Mujer de los Perros", de Citarella e Veronica Llinás, e "La Flor", de Mariano Llinás).

 

Para um dos curadores da mostra, Francis Vogner dos Reis, a El Pampero surge como novidade no atual cenário. "Eles pensam toda a cadeia de produção de formas inéditas, sem jogarem com exigências do mercado ou formas tradicionais de realização. Por se darem a liberdade de fazerem os filmes que quiserem no tempo que for necessário, desafiam os jeitos tidos como fundamentais e entregam trabalhos sempre surpreendentes".

 

Presente na CineBH para acompanhar a homenagem, a produtora e diretora Laura Citarella celebrou a aproximação com o Brasil e conversou com vários profissionais da área sobre a El Pampero Cine. "Criamos um pequeno sistema interno de produção e é difícil imaginar como ele pode ser transplantado para outras iniciativas. Somos grandes amigos e companheiros e é por isso que dá tão certo experimentarmos livremente", disse ela.

 

Para Henry Galsky, coordenador de projetos e conteúdos do Canal Brasil e que participou do 9o Brasil CineMundi – International Coproduction Meeting, os diálogos com a América Latina têm dificuldades de acontecer porque o Brasil ainda não se entendeu com seu próprio território. "Temos uma nação continental e com regiões muito diferentes. Precisamos ter a consciência de que o país é muito diferente do restante da América Latina e não consegue replicar algumas experiências", apontou Galsky. Por conta de sua dimensão territorial e também por políticas de incentivo que cobrem boa parte dos custos de uma produção, muitos filmes brasileiros não buscam parcerias estrangeiras, cenário distinto de mercados menores, como Chile, Paraguai e Uruguai – que praticamente dependem de coproduções, como foi apontado pela argentina Constanza Sanz Palacios.

 

NAS TELAS

Na programação de filmes, a CineBH buscou valorizar a produção contemporânea na América Latina, destacando Argentina ("La Flor"), México ("Antígona") e Chile ("A Telenovela Errante"), além de apresentar uma rara realização da República Dominicana ("Cocote"), país pertencente à América Central, e uma série de curtas históricos que resgataram parte do imaginário da contestação latina ao poderio das nações desenvolvidas. Em todos esses trabalhos, destacaram-se a inquietação estética e o profundo vigor nas formas visuais e sonoras, mostrando um outro tipo de cinema latino, que fica de fora do circuito exibidor mais tradicional e ainda assim – como mostra a boa presença de público nas sessões – dialoga fortemente com quem se dispõe a conhecê-lo.

 

Do Brasil, a seleção promoveu pontes internas, indo do Espírito Santo ("A Mata Negra") à Paraíba ("Sol Alegria"), de Minas Gerais ("Espera" e "Baixo Centro") ao Paraná ("Ferrugem"), apresentando um cinema brasileiro em constante invenção e reinvenção a partir de suas tradições. Uma novidade deste ano foram os Encontros de Cinema, rodas de conversa promovidas logo após as exibições dos filmes brasileiros num lounge montado na área externa do Palácio das Artes. O espaço reuniu dezenas de espectadores interessados em ouvir de cineastas, atores, atrizes e produtores informações sobre os títulos assistidos. Entre alguns presentes, estiveram Tavinho TeixeiraMariah Teixeira e Ney Matogrosso (por "Sol Alegria"), Cao Guimarães ("Espera") e Ewerton Belico e Samuel Marotta ("Baixo Centro"). A experiência garantiu um maior contato entre público e obra, tanto pelo ambiente descontraído e a céu aberto quanto pela simpatia e disponibilidade dos artistas em conversarem detalhadamente sobre seus trabalhos.

 

A edição de 2018 marcou ainda o sucesso crescente da mostra A Cidade em Movimento, pela terceira vez reunindo trabalhos de comunidades de Belo Horizonte e região que retratam uma realidade deixada de fora pela grande mídia, numa ação coletiva em diálogo com as questões, pulsações e movimentos atuais da cidade. Entre performances, exibição de 16 filmes, rodas de conversa e outras manifestações, discursos produtivos e criativos aparecem e se ampliam. A curadora Paula Kimo adotou, este ano, a temática "Deslocamentos", priorizando as abordagens do espaço urbano como centralidade nas relações políticas e sociais. Cada uma das cinco sessões contou com a presença de convidados para debaterem os filmes junto ao público, no lounge do Sesc Palladium.

 

Num outro tipo de diálogo com a cidade, os Clássicos na Praça contaram com sua segunda edição, desta vez na praça Duque de Caxias, no coração do bairro de Santa Tereza, onde a CineBH nasceu em 2007. Na seleção, títulos de forte apelo nostálgico, com sessões repletas de magia e encantamento na exibição de "Superman" (1978), "Os Embalos de Sábado à Noite" (1978), "O Submarino Amarelo" (1968) e "Corra que a Polícia Vem Aí!" (1988).

 

FORMAÇÃO

No Programa de Formação Audiovisual, realizado ao longo da semana no Palácio das Artes, os participantes do Brasil CineMundi puderam acompanhar uma série de painéis, bate-papos e laboratórios sobre fundos de investimento, mercado audiovisual internacional e caminhos para estímulo à coprodução. Laura Godoy, diretora e produtora que mostrou seu projeto de documentário nas mesas de encontro, disse que ouvir os profissionais foi enriquecedor para um melhor entendimento das possibilidades de levar a cabo suas ideias. "Foi muito bom estar no seminário, pois tomei contato com coisas que não conhecia e que certamente vão me ajudar no desenvolvimento do meu filme", exaltou.

 

Entre os encontros promovidos no Programa de Formação Audiovisual, havia apresentações sobre coproduções com foco na Europa e América Latina, o mercado de documentários, estratégias de distribuição e promoção de filmes e esclarecimentos sobre os programas de formação Ibermedia (Espanha), TorinoFilmLab (Itália), Sorfond (Noruega) e Sundance (EUA). Os 23 convidados de 12 países (Cuba, Espanha, Chile, Argentina, Noruega, Suíça, EUA, França, Uruguai, Itália, Alemanha e Brasil) puderam também conhecer de mais perto a realidade do mercado brasileiro de cinema.

 

O Brasil CineMundi, com seu viés de orientar e ampliar o cinema do futuro, reforça o caráter visionário da CineBH, que se adianta à produção de amanhã a partir das ideias em circulação hoje. Nas sessões, nos debates, nos encontros de corredor, nos cafés, nas rodadas de negócio ou nas 14 horas de "La Flor" (que manteve público fiel em suas três sessões diárias), o que mais se viu na Mostra foi o cinema pulsando cada vez mais, a América Latina em busca do protagonismo no cenário internacional audiovisual e os belo-horizontinos se integrando a todo esse movimento. Que venham novos anos e novas produções.

 

TODA PROGRAMAÇÃO É OFERECIDA GRATUITAMENTE AO PÚBLICO.